VIGIAR E PUNIR - este precedeu a Filipe dos Santos

editado March 2023 em Religião é veneno
MICHEL FOUCAULT - VIGIAR E PUNIR
Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publicamente diante da
poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça,
nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita
carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos
mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que
cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será
atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre
derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro
cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas
lançadas ao vento.1
Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam].2 Essa última operação
foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que,
em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para
desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas...
Afirma-se que, embora ele sempre tivesse sido um grande praguejador, nenhuma
blasfêmia lhe escapou dos lábios; apenas as dores excessivas faziam-no dar gritos
horríveis, e muitas vezes repetia: “Meu Deus, tende piedade de mim; Jesus, socorrei-me”.
Os espectadores ficaram todos edificados com a solicitude do cura de Saint-Paul que, a
despeito de sua idade avançada, não perdia nenhum momento para consolar o paciente.
[O comissário de polícia Bouton relata]: Acendeu-se o enxofre, mas o fogo era tão
fraco que a pele das costas da mão mal e mal sofreu. Depois, um executor, de mangas
arregaçadas acima dos cotovelos, tomou umas tenazes de aço preparadas ad hoc,
medindo cerca de um pé e meio de comprimento, atenazou-lhe primeiro a barriga da perna
direita, depois a coxa, daí passando às duas partes da barriga do braço direito; em
seguida os mamilos. Este executor, ainda que forte e robusto, teve grande dificuldade em
arrancar os pedaços de carne que tirava em suas tenazes duas ou três vezes do mesmo
lado ao torcer, e o que ele arrancava formava em cada parte uma chaga do tamanho de
um escudo de seis libras.
Depois desses suplícios, Damiens, que gritava muito sem contudo blasfemar,
levantava a cabeça e se olhava; o mesmo carrasco tirou com uma colher de ferro do
caldeirão daquela droga fervente e derramou-a fartamente sobre cada ferida. Em seguida,
com cordas menores se ataram as cordas destinadas a atrelar os cavalos, sendo estes
atrelados a seguir a cada membro ao longo das coxas, das pernas e dos braços.
O senhor Le Breton, escrivão, aproximou-se diversas vezes do paciente para lhe
perguntar se tinha algo a dizer. Disse que não; nem é preciso dizer que ele gritava, com
cada tortura, da forma como costumamos ver representados os condenados: “Perdão,
meu Deus! Perdão, Senhor”. Apesar de todos esses sofrimentos referidos acima, ele
levantava de vez em quando a cabeça e se olhava com destemor. As cordas tão
apertadas pelos homens que puxavam as extremidades faziam-no sofrer dores
inexprimíveis. O senhor Le Breton aproximou-se outra vez dele e perguntou-lhe se não
queria dizer nada; disse que não. Achegaram-se vários confessores e lhe falaram
demoradamente; beijava conformado o crucifixo que lhe apresentavam; estendia os lábios
e dizia sempre: “Perdão, Senhor”.
Os cavalos deram uma arrancada, puxando cada qual um membro em linha reta,
cada cavalo segurado por um carrasco. Um quarto de hora mais tarde, a mesma
cerimônia, e enfim, após várias tentativas, foi necessário fazer os cavalos puxar da
seguinte forma: os do braço direito à cabeça, os das coxas voltando para o lado dos
braços, fazendo-lhe romper os braços nas juntas Esses arrancos foram repetidos várias
vezes, sem resultado. Ele levantava a cabeça e se olhava. Foi necessário colocar dois
cavalos, diante das atrelados às coxas, totalizando seis cavalos. Mas sem resultado
algum.
Enfim o carrasco Samson foi dizer ao senhor Le Breton que não havia meio nem
esperança de se conseguir e lhe disse que perguntasse às autoridades se desejavam que
ele fosse coitado em pedaços. O senhor Le Breton, de volta da cidade, deu ordem que se
fizessem novos esforços, o que foi feito; mas os cavalos empacaram e um dos atrelados
às coxas caiu na laje. Tendo voltado os confessores, falaram-lhe outra vez. Dizia-lhes ele
(ouvi-o falar). “Beijem-me. reverendos”. O senhor cura de Saint-Paul não teve coragem,
mas o de Marsilly passou por baixo da corda do braço esquerdo e beijou-o na testa. Os
carrascos se reuniram, e Damiens dizia-lhes que não blasfemassem, que cumprissem seu
oficio, pois não lhes queria mal por isso; rogava-lhes que orassem a Deus por ele e
recomendava ao cura de Saint-Paul que rezasse por ele na primeira missa.
Depois de duas ou três tentativas, o carrasco Samson e o que lhe havia atenazado
tiraram cada qual do bolso uma faca e lhe cortaram as coxas na junção com o tronco do
corpo; os quatro cavalos, colocando toda força, levaram-lhe as duas coxas de arrasto, isto
é: a do lado direito por primeiro, e depois a outra; a seguir fizeram o mesmo com os
braços, com as espáduas e axilas e as quatro partes; foi preciso cortar as carnes até
quase aos ossos; os cavalos, puxando com toda força, arrebataram-lhe o braço direito
primeiro e depois o outro.
Uma vez retiradas essas quatro partes, desceram os confessores para lhe falar, mas
o carrasco informou-lhes que ele estava morto, embora, na verdade, eu visse que o
homem se agitava, mexendo o maxilar inferior como se falasse. Um dos carrascos chegou
mesmo a dizer pouco depois que, assim que eles levantaram o tronco para o lançar na
fogueira, ele ainda estava vivo.

Comentários

  • Que horror. Mas talvez esse tratamento a alguns politicos modernos fosse merecido.
  • Segundo o espiritismo a conclusão é que se ele passou por isso é porque mereceu.
    O verdadeiro espírita olha pra esta atrocidade e diz: "Bem Feito".
  • Judas escreveu: »
    Segundo o espiritismo a conclusão é que se ele passou por isso é porque mereceu.
    O verdadeiro espírita olha pra esta atrocidade e diz: "Bem Feito".

    =)

    Algumas interpretações a esse respeito realmente são bizarras.
    Acho que foi no antigo RV que eu discuti com um espirita que não entendia que pra seguir essa logica seria necessário uma regressão infinita, já que na primeira vida do sujeito ele não poderia passar por nada ruim pois não teria feito nada errado no passado porque ainda não existia.

    Ou talvez tenha sido alguma discussão com o Criaturo.
  • O Acauan falou outro dia sobre o Status quaestionis do espiritismo por aqui.
    Não me lembro o tópico que ele linkou.
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